Antologia de Música em Portugal  /  Vozes Alfonsinas, Manuel Pedro Ferreira


na Idade Média e no Renascimento






medieval.org
vozesalfonsinas.wixsite.com
Murecords MU 0104

2008






CD I
ANTOLOGIA SONORA: DOS VISIGODOS A D. SEBASTIÃO


Idade Média

Responsório hispano-visigótico para o Ofício de Defuntos
1. Dies mei transierunt  [3:11]

Três antífonas hispano-visigóticas para o Lava-Pés de Quinta-feira Santa
2. Bone magister  [0:42]
3. Si ego Dominus  [0:50]
4. Si haec scitis  [0:39]

Hino a Santiago, segundo o Códice Calixtino, séc. XII
5. Ad honorem regis summi  [1:52]  Aimericus PICAUDI   cc 115

Hino a São Bernardo, segundo um códice de Arouca, séc. XIII
6. Exultat celi curia  [4:04]

Cantiga de Santa Maria, séc. XIII
7. Quen vai contra Santa Maria / nº 283: O clérigo arrogante  [5:59]  ALFONSO X   CSM 283

Cantiga d'amigo, séc. XIII
8. Ondas do mar de Vigo  [3:29]  Martin CODAX   ca I

Cantigas d' amor, séc. XIII
9. Que mui gran prazer  [4:44]  D. DINIS
10. Pois que vos Deus  [3:55]  D. DINIS


Renascimento

Cânticos religiosos
11. Benedicamus Domino cisterciense  [0:32]
12. Credo de Niceia segundo um manuscrito de Evora  [5:18]
13. Pranto para a procissão do Enterro do Senhor na Sexta-feira Santa: Heu, heu, Domine, versão do Missal bracarense de 1558  [3:02]
14. Canção de Natal Dalha den cima del cielo  [2:02]

Repertório profano
15. Cantiga: Senhora, quem vos disser  [1:38]
16. Romance de D. Inês de Castro: Io m'estando em Coimbra  [4:53]
17. Vilancete: Minina dos olhos verdes  [2:01]
18. Fantasia para vihuela  [2:24]  Luís MILÁN
19. Vilancete: Parto triste saludoso  [2:40]
20. Cantiga: Na fonte está Lianor  [2:03]
21. Duo e contraponto instrumental sobre Si amores me han de matar  [3:52]  FLECHA/FUENLLANA
22. Romance da queda de Granada: Paseavase el rey moro  [4:48]




Vozes Alfonsinas
Manuel Pedro Ferreira, direcção
Maria Repas Gonçalves, soprano
Susana Teixeira, meio-soprano
Gonçalo Pinto Gonçalves, tenor
Filipe Faria, tenor
Sergio Peixoto, tenor
Victor Gaspar, barítono
Madalena Cabral, rabeque
Nuno Torka Miranda, alaúde medieval e vihuela
participação especial de Lourenço e Martinho Ferreira

Gravado na Capela do Palácio da Bemposta (Lisboa) em Maio de 2008
Produção e edição digital: Manuel Pedro Ferreira
Produção executiva: Filipe Faria/Arte das Musas
Captação de som, montagem e masterização: José Fortes






CD II
CÂNTICOS BRACARENSES DE NATAL E MATINAS DE S. GERALDO



Das Vésperas de Natal bracarenses

1. Canto da Sibila segundo a tradição da Catedral de Braga  [9:39]



Da Missa do Galo bracarense

2. Intróito Dominus dixit ad me  [2:51]  versão polifónica de Miguel da FONSECA

3. Gradual Tecum principium  [7:22]

4. Epístola a Tito (com tropo) segundo o Missal de Mateus  [6:25]

5. Aleluia Dominus dixit ad me  [2:14]

6. Comunhão In splendoribus sanctorum  [1:14]  versão polifónica de Miguel da FONSECA



Das Matinas do Ofício de S. Geraldo de Braga

Festa celebrada a 5 de Dezembro. Entre parêntesis, é indicada a posição original, nas Matinas, dos vários componentes litúrgicos segundo o Breviário Bracarense de 1494, que, juntamente com os antifonários quinhentistas da Sé de Braga, do tempo do arcebispo D. Diogo de Sousa, serviu de base à presente gravação. Todas as peças musicais, excepto o hino (cuja melodia é, de resto, tradicional), vêm ainda no Breviário Bracarense de 1920-1922. 0 invitatório, as leituras hagiográficas e o ultimo responsório integram o actual Próprio da Arquidiocese de Braga, aprovado em 1996.

7. Invitatório: antífona Regem regum  [. . .] sanctum suum Geraldum
com Salmo 94: Venite exsultemus  [12:49]

8. Hino Geraldus gemma presulum/et gaudia  [1:40]

9. Antífona I (1) Sanctus Geraldus a pueritia sua etate (1° modo)
com Salmo 1, vv. 1-3: Beatus vir qui non abiit  [3:20]

10. Antífona II (9) Gaude civitas bracharensis (2° modo)
com Salmo 23  [=24], vv. 1-4: Domine est terra  [3:13]

11. Antífona III (3) Beatus Dei amicus Geraldus (3° modo)
com Salmo 4, vv. 2-5: Cum invocarem  [3:46]

12. Leitura I (vii) Sequentia sancti evangelii.../Sed quia longum...  [2:28]

13. Responsório I (1) Honorabilem festivitatem, v/. Beatus itaque  [3:13]

14. Leitura II (viii) Sumpto itaque utpote...  [2:29]

15. Responsório II (9) Sanctus Dei Geraldus acuta febre, v/. Accipe  [3:28]

16. Leitura III (ix) Mane autem facto...  [1:47]

17. Responsório III (7) Inclitus Dei confessor lucerna, v/. Beatus es  [5:07]




Vozes Alfonsinas
Manuel Pedro Ferreira, voz e direcção
Susana Teixeira, meio-soprano
Joana Nascimento, meio-soprano
Sérgio Fontão, tenor e assistente de direcção
Gonçalo Pinto Gonçalves, tenor
João Rodrigues, tenor
Filipe Faria, tenor
João Pedro Sebastião, tenor
Victor Gaspar, barítono
Fernando Gomes, barítono
Rui Baeta, barítono
João Tiago Santos, barítono
Nuno Pólvora, baixo

Gravado na Igreja de São Quintino (Sobral de Monte Agraço) em Novembro de 2000
Produção geral e edição digital: Manuel Pedro Ferreira
Assistente musical: Joana Nascimento
Captação de som, montagem e masterização: José Fortes











Antologia de Música em Portugal na Idade Média e no Renascimento
Volume I: Textos e Ilustrações



Antologia de Música em Portugal na Idade Média e no Renascimento Volume I: Textos e Ilustrações
Volume II: Edições Musicais
CD I: Antologia Sonora: dos Visigodos a D. Sebastião (oferta)
CD II: Cânticos Bracarenses de Natal e Matinas de S. Geraldo (oferta)


Introdução, coordenação e direcção musical: Manuel Pedro Ferreira
Design gráfico, paginação e capa: Filipe Faria/Arte das Musas
Produção do projecto: Arte das Musas

© Arte das Musas, 2008
Rua da Páscoa, 87 1250-178 Lisboa Tel. 210995674
Email: mail@artedasmusas.com
Web: www.artedasmusas.com

Impressão: M2 Artes Gráficas
Primeira edição: Setembro 2008
Depósito legal n.°: 284688/08
ISBN: 978-989-95983-0-0
Código de barras: 5600801130040

Colecção: MU Arte


ÍNDICE GERAL

Lista de ilustrações

Panorâmica da música em Portugal na Idade Média e no Renascimento (448-1578)

A música hispano-visigótica
A música islâmica
A música do rito romano-franco e a sua notação musical
A canção de gesta e o romance tradicional
A cantiga trovadoresca
Os instrumentos na lírica trovadoresca
As cantigas d'amigo de Martin Codax
As cantigas d'amor de Dom Dinis
As cantigas de Santa Maria
A monodia pós-trovadoresca
A mudança do gosto palaciano e o reforço da capela real
Ligações a Borgonha e Inglaterra
Os músicos e a teoria musical, até 1500
A nova trova palaciana, a música teatral e as polifonias simples
O repertório latino nos círculos corteses: época manuelina
O repertório latino nos círculos corteses: época joanina
Os cancioneiros profanos do Renascimento
A institucionalização das capelas polifónicas nas catedrais
O lugar da teoria musical no Portugal de quinhentos
O impacto humanístico no canto latino
Do fim do Concílio de Trento a Alcácer-Quibir

Regras para a leitura da notação mensural

Laminas fotográficas

Conteúdos do Volume II: Edições Musicais

Comentário critico as edições musicais  


Índice do CD I, textos e traduções
Índice do CD II, textos e traduções










Comentário critico as edições musicais

Manuel Pedro Ferreira
(CD 1 nº 21: Nuno Miranda)



CD I

1. Responsório «Dies mei transierunt»

Este responsório hispano-visigótico, para o Ofício de Defuntos, é invulgarmente tenebroso na sua enorme beleza: nele se imagina um cadáver a falar com os vermes que o consomem, e a pedir a Deus a sua libertação da condição terrena. A música realça a gravidade do pensamento, mas também a sua intenção ascensional.

A transcrição, baseada numa fotografia da notação aquitana acrescentada ao Liber ordinum da Real Academia de la Historia em Madrid (ms. 56, fol. 26), proveniente de S. Millán de la Cogolla (tendo embora em conta a notação visigótica do Antifonário de Leão, do século X), diverge em certos pontos das que foram até agora publicadas. A edição restringe-se ao corpo principal do responsório; não se fez qualquer tentativa para reconstituir o versículo, melodicamente irrecuperável.

Para facilitar a comparação, marcar a antiguidade da música e incentivar a aprendizagem de sistemas de notação menos correntes, esta e as restantes peças hispano-visigóticas incluídas na presente Antologia são apresentadas em notação quadrada, usual entre os intérpretes de canto gregoriano.



2-4. Três antífonas para o Lava-pés de Quinta-feira Santa
(a) «Bone magister»
(b) «Si ego Dominus»
(c) «Si haec scitis»

Estas antífonas hispano-visigóticas destinam-se a acompanhar o Lava-pés durante a Semana Santa. Embora este rito fosse conhecido desde o século IV, foi o 17° Concílio de Toledo que, no ano de 694, prescreveu que ele deveria ser realizado na Quinta-feira Santa em todas as catedrais para imitar o gesto de Jesus na noite em que foi traído. Lavar os pés aos patrões da casa e àqueles que chegavam de viagem era um trabalho humilde, feito por escravos. Jesus, ao realizar este gesto, colocou-se na posição de escravo, deixando aos seus seguidores o «mandamento novo» do amor fraterno.

As melodias destas peças foram apontadas em notação aquitana na margem direita do fólio 144 do Liber ordinum (maior) de Silos, de 1052; a transcrição foi realizada a partir de fotografia. A última peça, contrariamente às transcrições anteriormente publicadas, assume um final em mi, pelas razões aduzidas em Manuel Pedro Ferreira, "Notation and Psalmody: a Southwestern Connection?", in Cantus planus. Papers Read at the 12th Meeting of the IMS Study Group (2004), Budapest: Hungarian Academy of Sciences, 2006, pp. 621-39.



5. Hino a Santiago, «Ad honorem regis summi» (Aimericus Picaudi)

A transcrição foi feita a partir do Códice Calixtino de Santiago de Compostela (folio 190v [219v]). A peça foi aí apontada de forma sucessiva, recorrendo-se a uma notação do tipo usado na Lorena; coube a David Hiley («Two unnoticed pieces of medieval polyphony», Plainsong & Medieval Music, 1 [1992], pp. 167-73) descobrir que a continuidade da notação melódica ocultava, como noutras peças do género, uma textura polifónica. A escolha dos valores rítmicos e a interpretação da disposição gráfica da segunda estrofe como assinalando uma repetição melismática da melodia sobre a vogal da sílaba em rima, «it» (os «tês» que finalizam esses quatro versos aparecem colocados, depois de um longo espaço em branco, no limite direito da respectiva linha) são do presente editor. Pode apenas especular-se sobre a possível aplicação da repetição antifonal às restantes estrofes do poema. No Códice Calixtino só as primeiras duas sobrevivem, pois o folio seguinte, que conteria as seguintes, desapareceu. O texto completo, muito extenso, pode ser encontrado no volume 17, pp. 210-11, da Analecta hymnica medii aevi, editada por G. M. Dreves (Leipzig, 1894); a par das fontes francesas que estão na base da edição de Dreves, o hino pode também ser encontrado nos manuscritos London, B. L. add. 12213, e Lisboa, B. N., Alcob. 334. No final do hino (estrofe n° 11, abaixo transcrita), são citadas invocações de peregrinos também encontradas em Dum pater familias.



6. Hino a S. Bernardo, «Exultat celi curia»

Hino acrescentado, por volta de 1225, na folha de guarda inicial de um dos antifonários cistercienses usados no Mosteiro de Arouca (Museu de Arte Sacra, Ms. 25, olim 2*, fol. 2v). A edição baseia-se na que publicámos, com amplo comentário, em «Early Cistercian Polyphony: A Newly-Discovered Source», Lusitania Sacra, 2a série, Tomo XIII-XIV (2001-2002), pp. 267-313. A palavra em falta no verso 27, aí hipoteticamente reconstituido como <in via> qui malicie, foi posteriormente encontrada na versão (não musicada) do hino que se conserva no processional cisterciense Lisboa, ANTT, Casa Forte, Fragmentos, Cx. 20 n° 13, o que permitiu restaurar o texto: qui <maligni> malicie.



[7. Cantiga de Santa Maria nº 283, O clérigo arrogante «Quen vai contra Santa Maria» (Alfonso X)]



N° 8 Cantiga d'amigo «Ondas do mar de Vigo» (Martin Codax)

Esta cantiga foi copiada com a respectiva música no Pergaminho Vindel, folha volante escrita na segunda metade do século XIII, hoje conservada na Pierpont Morgan Library, de Nova Iorque (cota: M 979). A melodia de «Ondas do mar de Vigo» deve-se ao primeiro apontador a intervir no manuscrito. Esta é uma nova proposta de transcrição musical, que, sem invalidar a que publicámos no nosso livro O Som de Martin Codax (Lisboa, 1986), cuja leitura recomendamos, lhe pode servir de alternativa. A divergência dá-se sobretudo ao nível da distribuição silábica; o sistema de transcrição surge também simplificado, procurando espelhar mais directamente a natureza semi-mensural da notação.



[9. Cantiga d'amor «Que mui gran prazer» (Dom Dinis)]



10. Cantiga d'amor «Pois que vos Deus, amigo, quer guisar» (Dom Dinis)

Esta cantiga d'amor aparece, com a respectiva música, num fragmento de cancioneiro musicado, escrito por volta de 1300, conhecido por Pergaminho Sharrer (Lisboa, Torre do Tombo, Caixa Forte, Fragmentos, Caixa 20, nO 2), onde é a composição inicial (T, no 1; texto também em B, no 524, e V, n° 107). Oferece-se aqui, no essencial, a transcrição publicada em Manuel Pedro Ferreira, Cantus coronatus (Kassel, 2005), mas sem a reprodução da notação original sobre as pautas. As passagens entre parênteses oblíquos faltam no documento, tendo sido reconstruídas pelo editor; entre parênteses rectos, colocam-se as notas de leitura menos evidente.



11. «Benedicamus Domino» do processional de Lorvão

Transcrito do processional cisterciense, copiado em 1504 e proveniente do mosteiro de Lorvão, conservado em Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lorvão n° 2 (C. Forte, Est. 3-1.6, n° 97), fol. 35r. Dado que a notação original (reproduzida in Kurt von Fischer, Handschriften mit mehrstimmiger Musik des 14., 15. und 16. Jahrhunderts [RISM, B IV4], vol. II, Miinchen-Duisburg: G. Henle, 1972, p. 1131) só indica prolongamento rítmico através de alargamento das notas, sua duplicação a uníssono ou uso de fermatas, impõe-se na prática uma interpretação rítmica, editorialmente incorporada nesta transcrição.



12. Credo de Niceia segundo um manuscrito jerónimo de Évora

Transcrito do códice do Arquivo Distrital de Evora, Mús. Lit. Ms. n° 70 (as folhas foram aparadas de tal modo que se perdeu a foliação original, e, na altura em que escrevo, as páginas deste Kyriale não estão numeradas). Rubrica imediatamente precedente: In festis duplicibus maioribus (para as festas de categoria duplex maior, ou seja, com maior grau de solenidade). A entoação por nós seleccionada é a mais solene das duas que se encontram no manuscrito, estando documentada, em Braga e em Santa Cruz de Coimbra, uma entoação semelhante, com a mesma prioridade hierárquica; a entoação e a composição em polifonia (alternando com coro monódico) encontram-se em lugares distintos no volume. Neste, utilizou-se notação quadrada na entoação (cujo ritmo, na nossa transcrição, é editorial) e uma notação mensural simples em tempus imperfectum diminutum (semibreves, breves e longas, com fermatas ocasionais) no corpo da peça. 0 último verso (Et vitam venturi...) aparece com duas pautas a par, uma para cada um dos solistas, mas só há notação na pauta da esquerda; utilizando um processo bem conhecido nos finais da Idade Média, a troca de vozes, reconstituimos a voz em falta (entre parênteses rectos) até ao Amen final.



13. Pranto processional «Heu, heu, Domine», para o Enterro do Senhor

Transcrito do Missal bracarense de 1558. As pausas, sugeridas pelo editor, são inspiradas pela tradição oral do pranto tal como se canta hoje em dia na cidade dos arcebispos na Sexta-feira Santa. Os versículos que aparecem no Missal representam uma selecção a partir de uma lista muito mais extensa, que foi conhecida em todo o país (e depois no Brasil e na Índia) a partir do Renascimento. Essa lista foi estudada por Solange Corbin, La déposition liturgique du Christ au Vendredi Saint (Paris-Lisboa, 1960), especialmente às pp. 140-55; veja-se também Walther Lipphardt, Lateinische Osterfeiern und Osterspiele (Berlin, 1976-1990), vols. II, VII, IX. Dos versículos usados a partir de 1558 em Braga, três (Pupilli..., Cecidit..., Defecit...) são citações exactas ou aproximadas das Lamentações de Jeremias (V: 3,15,16). Os processionais bracarenses contêm versículos adicionais.



14. Canção de Natal «Dalha den cima del cielo»

Transcrito do Cancioneiro Masson (Paris, École des Beaux Arts, Masson 56, fols. 72v-73r). Música e texto inicial na página esquerda, segunda estrofe na página direita. Inscrição na margem esquerda do fol. 72v: duo (em frente a cada uma das vozes).



15. Cantiga «Senhora quem vos disser»

Transcrito do Cancioneiro Masson (Paris, École des Beaux Arts, Masson 56, fols. 17v-18). 0 primeiro verso está disposto sob a música pela la 1ª mão, que também copiou a letra completa na página direita. Uma mão posterior escreveu os versos 2 e 3 debaixo da segunda e terceira pautas, incluindo sinais de repetição textual depois de «não creais» e de «que he verdade», e não deixando espaço para se inserir o verso 4 antes do final da frase. Optámos por aplicar os versos 2 a 4, repetindo apenas «verdade» 

Contrariamente à edição até agora disponível, respeita-se o uso da coloração (cc. 8-9, entre colchetes superiores) e começa-se a frase inicial da última secção (cc. 21, 28) na nota certa (Mi), confirmada pela presença de um segundo guião implicando um salto de terceira (depois das primeiras três notas, um primeiro guião sugere continuação a uníssono, mas estando as notas seguintes sobre sol, isso é incompatível com a música escrita).



16. Romance de D. Inês de Castro, «Io m'estando em Coimbra»

Transcrito do Cancioneiro Masson (Paris, École des Beaux Arts, Masson 56, fol. 69v-70). A composição foi escrita integralmente pela la 1ª mão.



17. Vilancete «Minina dos olhos verdes»

Transcrito do Cancioneiro Masson (Paris, École des Beaux Arts, Masson 56, fol. 95v-96). No original há texto (estribilho) sob as três vozes; a continuação do poema foi introduzido na página direita por uma 2ª mão. Esta é a primeira das duas versões rítmicas desta composição existentes no manuscrito; há facsimile publicado em Manuel Morais (transcrição e estudo), Vilancetes, cantigas e romances do século XVI (Lisboa, 1986).



[18. Fantasia para vihuela (Luís Milán)]


19. Vilancete «Parto triste saludoso»

Transcrito do volume miscelâneo Lisboa, B. N., Colecção Ivo Cruz 60, fols. 50v-51. Uma reprodução fotográfica do original está disponível on line no sítio da Biblioteca Nacional Digital, <http://purl.pt/210> . No final, a voz intermédia parece substituir-se a. superior para completar o movimento cadencial com um intervalo de quinta perfeita, mas é possível que falte uma nota no Cantus (aqui sugerida entre parênteses rectos), si ou sol #.

O texto encontra-se completo, ou quase, sob todas as três vozes; actualizámos a ortografia, transcrevendo «alma» por «halma», «ojos» por «oios»; regularizámos a palavra «sim»/«sem» em «sin» (tendo em conta outros casos de uso do «n» para indicar nasalização) e a frase «quitaste sperãça mia» com base na versão do Baixo, pois as vozes superiores começam-na com «quedaste», cujo sentido, neste contexto, é menos satisfatório. A distribuição da letra sob as notas 6, no original, aproximada. Na edição antecipámos, na voz superior, o início de «se quere morir», pois, a levar-se à letra a disposição do poema no manuscrito, a distribuição silábica ficaria desequilibrada e declamatoriamente indefensável. Na voz inferior, a primeira repetição de «por me partir» vem indicada pelo sinal «ii», enquanto a repetição seguinte vem por extenso. As repetições textuais de carácter editorial vêm grafadas em itálico.



[20. Cantiga: «Na fonte está Lianor»]


21. Si amores me han de matar: duo e contraponto del autor (Flecha/Fuenllana)

Peça a duas vozes de Mateo Flecha (o Velho), intabulada por Miguel de Fuenllana e extraída da primeira parte de Orphenica Lyra (Sevilha, 1554). Contraponto rigoroso sendo as duas vozes facilmente identificáveis, a transcrição indica, como é usual, a voz de cima com as hastes das notas apontando para cima e a voz inferior com as hastes apontando para baixo.
A parte de vihuela foi transcrita de modo a poder ser executada numa guitarra [viola] em mi, alterando-se a afinação da 3a corda para Fá #, a fim de se obter a digitação original. A este propósito, veja-se a nota ao n° 32 desta Antologia.
Esta peça foi copiada à mão por um português, ainda no século XVI, no final do seu exemplar do livro de vihuela de Alonso Mudarra, tal como se pode ver na respectiva edição facsimilada.



[22. Romance da queda de Granada: «Paseavase el rey moro»]






CD II

1. Canto da Sibila: «Judicii signum»

Esta antiga profecia, atribuída à Sibila da Eritreia, foi cantada em Braga, até meados do século XX, nas Vésperas do dia de Natal, intensificando, pelo seu tom escuro e apocalíptico, quer a expectativa ritual gerada pelo anunciado nascimento de Jesus, quer a luminosidade salvífica deste acontecimento. O texto, de origem grega, aparece traduzido em latim em De civitate Dei, de S. Agostinho (Patrologiae Cursus Completus, Series latina, vol. 41, Paris, 1845, col. 579; Corpus Christianorum, Series latina, vol. 48/2, Turnhout, 1955, pp. 613-14; tradução portuguesa: A Cidade de Deus, Lisboa, 1991-1995, vol. 3, pp. 1751-53). A sua entrada na liturgia católica, contexto em que a profecia surge associada a um tipo especial de salmodia (com duas cordas de recitação e dois motivos alternados) está atestada, o mais tardar, a partir do século X; teve especial repercussão na Peninsula Ibérica, onde, a partir do século XIV, a Sibila surge por vezes representada como uma personagem dramática, sendo o seu oráculo posteriormente traduzido para lingua vulgar (Solange Corbin, «Le Cantus Sybyllae: origine et premiers textes», Revue de Musicologie, vol. 34 [1952], pp. 1-10; Richard Donovan, The Liturgical Drama in Medieval Spain, Toronto, 1958, pp. 39-50, 165-67). O poema compreende 27 versos, mas em contexto litúrgico o primeiro deles, precedido nas fontes ibéricas por uma introdução, é utilizado como refrão, sendo os restantes agrupados dois a dois, â maneira dos salmos bíblicos. Há pequenas divergências textuais entre a versão bracarense e as restantes versões publicadas. Na edição musical seguimos o texto bracarense mais típico, tendo em conta as lições remanescentes — do Breviário impresso em 1494 ao início de um livro miscelâneo, estampilhado, do século XVIII, sem cota, existente na Catedral —; aderimos, em caso de divergência, às variantes mais correctas e substituímos, no verso 11, erit por enim. A melodia segue geralmente os três cadernos manuscritos de finais do século XVII (com folhas de c. 19,5 x 18,5 cm, e cinco pautas por página) [Armário 1, 2, 3], sem cota formal, que, na sua parte final, são os testemunhos musicais mais antigos do Canto da Sibila que sobrevivem na Sé de Braga (com excepção do incipit, que se encontra nos livros de coro 31 e 50, do século XVI, que seguimos na variante sobre sudore, cuja maior antiguidade é traída pela não-coincidência entre acentuação verbal e densificação musical). No texto poético reproduzido neste volume, decidimos intervir num caso adicional (v. 18: dejicient) no qual a maior parte dos testemunhos bracarenses parecem ter um «n» espúrio, embora algo de semelhante possa também ocorrer em tradentur (v. 12), forma que concorre, na tradição manuscrita europeia, com tradetur.
M. P. F.



[2-6. (Da Missa do Galo bracarense)]


4. Epístola de S. Paulo, com tropo «Gaudeamus nova cum laetitia»

Composição transcrita do Missal de Mateus (Arquivo Distrital de Braga, ms. 1000, fólio 8r). Leitura solene para a Missa do Galo, este excerto da Carta de S. Paulo ao presbítero Tito (2:11-15) foi enriquecida, na Aquitânia, por uma composição poética com melodia própria. A peça aparece, com algumas variantes textuais, uma estrofe diferente (com rimas em i) e sob a forma de cantio para a Purificação de Nossa Senhora (coincidente com a Apresentação de Jesus no Templo, comemorada a 2 de Fevereiro), no códice Paris, B. N. lat. 1139, proveniente de S. Martial de Limoges: vd. Guido M. Dreves (ed.), Analecta hymnica medii aevi, vol. 45b (Leipzig, 1904), p. 45. Aí o primeiro verso assume a função de refrão. Dado que cada estrofe colhe as suas rimas de uma só vogal (a, o, i, e), Dreves sugeriu a presença num hipotético original de uma estrofe adicional com rimas em u; esta é fornecida quer pelo manuscrito conservado em Braga, quer pelo códice London, B. L. Harl. 1010, que contém a mesma Epístola tropada, mas numa leitura algo diversa e com uma estância adicional, que foge ao princípio de uma só vogal em rima: vd. Clemens Blume (ed.), Analecta hymnica medii aevi, vol. 49 (Leipzig, 1906), pp. 175-76.

Na edição musical seguimos o texto manuscrito, seguindo Joaquim O. Bragança (Missal de Mateus, Lisboa, 1975, pp. 16-17) na correcção de laudet por laudent, voce por vocis, nova por nove e ce por ecce. Na leitura apresentada neste volume, decidimos corrigir o copista num outro caso (Hec exultet monitu), substituindo hec por hoc. No antepenúltimo verso, há uma sílaba metricamente excedentária, inexistente nas versões de Paris e Londres (Novum mirum...), mas não há qualquer indício de que isso tenha posto um problema musical para o copista do nosso manuscrito. Todas as estrofes têm o mesmo conteúdo melódico, com a mesma ordenação das frases (AABBCD). A melodia poderá ser executada em metro ternário, embora esta opção não tenha sido seguida na gravação inclusa.
M.P.F.


[7-17. (Das Matinas do Ofício de S. Geraldo de Braga)]

7. Invitatório «Regem regum Dominum», para o Oficio de S. Geraldo

Este invitatório inicia as Matinas (hora nocturna) do Ofício de S. Geraldo de Braga; é, na prática, constituído por uma antífona, peça curta com texto próprio para a ocasião, e pelo Salmo 94, que convida a comunidade a celebrar o Senhor; este requer um género especial de salmodia, servida por formulas melódicas próprias, bastante ornadas, que normalmente se encontram transcritas num apêndice ao antifonário ou num caderno independente. Embora o texto da antífona, ainda hoje oficialmente em uso, tenha sido gizado em meados do século XV, a melodia tem carácter tradicional, sendo quase idêntica àquela que abre o Ofício de Santiago de Compostela no Códice Calixtino, do século XII (fol. 101v). A música foi transcrita dos antifonários da Catedral bracarense (antífona: Livro de Coro 28, se bem que também presente nos L. C. 17, 29, ADB 949; tom de invitatório com respectivo Salmo: L. C. 13).

Quanto ao modo de execução, deve ter-se em conta o esclarecimento do bacharel Sisto Figueira na Arte de rezar as horas canonicas: ordenada segundo as regras et costume Bracharense, livro dedicado ao arcebispo de Braga, Dom Diogo de Sousa, e impresso em Salamanca em 1521 (Arquivo Distrital de Évora, Incunábulos, 226).