Salus Infirmorum
/ Codex Sanctissima
Títulos da Virgem Maria — Parte 2
Música medieval
codexssma.net
Benedictus BND-002
2018
[52:05]
a Dom INÁCIO BARBOSA ACCIOLY, OSB — in memoriam
Abade e devoto de Nossa Senhora de Lourdes — Salus Infirmorum
1. Saltarello | “Venerar Maria“ [3:09] Codex London, Add. 29987
soprano DM, alto CM, tenor AP, coro FF, cítola CM, saltério DM, clavicímbalo RC, viela de arco PHN, viela de roda FF, flautas AP PHN, percussões FF
Codex Rossi
2. Che ti zova nascondere [3:03]
alto CM, clavicímbalo RC, organetto FF, percussões FF
3. Amor me fa cantar [2:00]
gaita de fole PHN, percussões FF
4. Per tropo fede [4:07]
soprano DM, alto CM, tenor AP, cítola CM, saltério DM, clavicímbalo RC, charamela PHN, percussões FF
5. Paseábase el rey moro [5:02] Luys de NARVÁEZ
soprano DM, alto CM, tenor AP, clavicímbalo RC, flauta PHN, percussões FF
6. Pax in nomine Domini [2:26] MARCABRU
saltério DM, viela de arco PHN, percussões FF
7. Een frolic wesen [2:00] Hans BÜCHNER
flautas AP FF PHN
AFONSO X
8. Santa Maria os enfermos sãa [6:42]
CSM 69
soprano DM, alto CM, tenor AP, coro FF, saltério DM, flautas AP PHN, percussões FF
9. Gran piadad' [5:01]
CSM 105
soprano DM, alto CM, tenor AP, gaita de fole PHN, flauta AP, percussões FF
10. Non é gran cousa [6:15]
CSM 26
soprano DM, alto CM, tenor AP, cítola CM, saltério DM, viela de arco PHN, órgão RC, flauta AP, percussões FF, coro FF
11. Dum Pater familias [2:25] Codex Calixtinus
cc 117
tenor AP, coro FF
12. Resurgentis Domini [2:22] Codex Las Huelgas
Hu 43
soprano DM, alto CM, flautas AP FF PHN
13. Benedicamus Domino [5:04] Bodleian Library, Codex Canon. 229
soprano DM, alto CM, tenor AP, coro FF, viela de arco PHN, clavicímbalo RC, órgão RC, organetto FF, flauta PHN
[bonus track]
14. Kyrie Cunctipotens [1:17] Codex Faenza
clavicímbalo RC
CODEX SANCTISSIMA
ANDRÉ PAIVA — tenor, flautas
CARLA MARINHO — alto, cítola
DORIANA MENDES — soprano, saltério, sinos
PEDRO NOVAES — viela de arco, gaita de fole, flautas, charamela
RITA CABUS — clavicímbalo, órgão
FÉLIX FERRÀ — organetto, viela de roda, flautas, coro, percussões
Direção musical
Félix Ferrà
O repertório Salus Infirmorum e suas fontes
Félix Ferrà
Félix Ferrà
The Salus Infirmorum repertoire and its sources
Félix Ferrà
AGRADECIMENTOS / THANKS
A Deus, Uno e Trino, pelo dom da vida e perseverança
A Santíssima Virgem pela inúmeras graças alcançadas
A nossos familiares que sempre nos apoiam
A todos que conosco colaboraram, em especial:
Sra. Maria de São José Silveira |
Mons. Sérgio Costa Couto |
Sérgio de La Riva |
Carlos de la Riva Sáez
Efrén López |
Patrizia Bovi |
Simone Sorini |
Begoña Olavide |
David Catalunya |
Guillermo Perez
Capa / front cover: "Salus Infirmorum" — Ms Egerton 2781, f. 29v. ano 1340 (British Library)
Gravura do CD / picture on the CD: "Creatio Mundi" — Stammheim Missal - Hildesheim - e. 1170
Foto do Conjunto / picture of the Ensemble: Ana Clara Miranda (2017)
Projeto Gráfico / Graphic Design: Marfiza de França
Codex Sanctissima conta com o apoio técnico de / Codex Sanctissima has technical support by:
Christovão Paiva — produtor / producer
Toni Godoy — técnico de sonorização / sound technician
Gravado / Recorded — Julho 2017-Março 2018 / July 2017—March 2018
Local / Location — Delart Estúdios Cinematográficos (Rio de Janeiro, Brasil)
Produtor / Producer — Félix Ferrà
Técnico de Gravação / Recording Technician — Leonardo Santos
Edição / Edition — Félix Ferrà
Mixagem e masterização / Mix and Audio Mastering — Marcelo Hoffer
Tradução de letras / Lyrics Translation — Félix Ferrà
Tradução de textos / Texts Translation — Pavlos Euthymiou
© 2018 Codex Sanctissima All rights reserved in all countries
Edições utilizadas / Editions used:
• "Cantigas de Santa Maria of Alfonso X el Sábio — Perfoming
Edition" - volume 1; transcribed by Chris Elmes; Gaïta Medieval Music;
Edinburgh, 2006
• Codex London: MS. Add. 29987, British Library — "The Manuscript London, British Museum, Additional
29987: A Facsimile Edition with an Introduction" by Gilbert Reaney (1965) — Musicological studies and
documents: 13. [s.l.]: American Institute of Musicology, 1965
• Codex Rossi: Nino Pirrotta, "Il Codice Rossi 215. Studio introduttivo ed edizione in fac-símile",
Lucques, Libreria musicale italiana, Ars Nova 2, 1992.
• "The Las Huelgas Manuscript" — Corpus Mensurabilis Musicae 79; edited by Gordon A. Anderson; American
Institute of Musicology; Hansler-Verlag, 1982.
• Codex Calixtinus: "The Poliphony of Saint-Martial and Santiago de Compostela";
edited by Theodore Karp;
University of California Press; First Edition edition, 1993
tañer
• Lluis de Narbaez, "Quinto Libro del Delphin de música de cifra para tañer vihuela"; edición de Emilio Pujol
— Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto Español de Musicología, 1945
• Hans Büchner: edição privada de "Een Frolic Wesen"
para flautas doces gentilmente cedida por: / Private edition
of "Een Frolic Wesen" for recorders kindly provided by: Martin Erhardt.
• Codex Canon. 229, Bodleian Library, fol. 53v (medieval foi. 33v): Edição privada de Benedicamus Domino a
partir de imagem do manuscrito por: / Private edition of Benedicamus Domino from image of the manuscript by: Félix Ferrà
• Codex Faenza, Ms. 117, Biblioteca Comunal de Faenza, foi. 77-78; edited by Dragan Plamenac; American Institute of Musicology: Corpus Mensurabilis Musicae 57; 1972.
Adaptações de letras para o português do Brasil / Adaptations of lyrics to Brazilian Portuguese: Félix Ferrà
Todas as peças com arranjos elaborados por Félix Ferrà e Pedro Hasselmann Novaes, com contribuições de todo
o Conjunto, à exceção de Dum Pater Famílias
(concepção de Marcel Pérès), Pax In Nomine
Domini (versão
planctus de Jordi Savall) e Benedicamus Domino (livremente inspirada num arranjo de Pedro Memelsdorff—Mala Punica).
All arrangements by Félix Ferrà and Pedro Hasselmann Novaes, with contributions of all musicians of the
group, with exception of Dum Pater Famílias (realization by Marcel Pérès), Pax In Nomine Domini (planctusBenedicamus Domino (freely inspired on an arrangement by Pedro Memelsdorff—Mala Punica).
Supervisão vocal / Vocal supervision: DORIANA MENDES
Pronúncia / Pronunciation:
Para o latim foi usada como padrão a pronúncia romana medieval segundo o Liber Usualis, independente da
origem da peça. Para as línguas românicas arcaicas, seguimos o livro de McGee, Rigg and Klausner, Singing
Early Music (Indiana University Press, Bloomington, 2004).
For Latin it was used as standard the Roman medieval pronunciation according to the "Liber Usualis", in spite of
the piece's origin. For the romance languages, we have followed the book by McGee, Rigg and Klausener,
"Singing Early Music", Indiana University Press, Bloomington, 2004.
Afinação: variantes de afinação
Pitagòrica (exceto "Een Frolic": temperamento mesotônico
1/12 CS) - A=440 Hz
Overall usage of Pythagorean tunings (except for "Een Frolic Wesen ": Meantone 1/12 SC) - A=440 Hz
Codex Sanctissima e o Projeto "Títulos da Virgem Maria"
O Conjunto Codex Sanctissima foi fundado em novembro de 2011 com o
propósito de difundir a música medieval e renascentista
para públicos variados, com repertórios selecionados
primordialmente entre as fontes mais veneráveis da música
sacra cristã, desde as tradições de canto
litúrgico pré-gregorianas que remontam ao século
VI, passando pelas primeiras formas de polifonia registradas nos
séculos LX e X, as produções da Escola de
Notre-Dame e suas correlatas, as obras de trovadores e troveiros, dos
períodos conhecidos como Ars Antiqua e Ars Nova, até a
Renascença dos séculos XV e XVI. Nesse desafio não
deixamos de incluir um pouco do rico tesouro da música oriental,
como neste disco é o caso do interlùdio instrumental
marroquino da faixa "Paseábase El Rey Moro".
Nosso primeiro
desafio, já satisfatoriamente cumprido mas sempre em
revisão e complementação, foi adquirir
instrumentos reconstruídos com fundamentação
histórica por profissionais de comprovada competência. O
"instrumentarium" do grupo conta hoje com cópias baseadas em
iconografia e estudos organológicos provenientes de fabricantes
da Alemanha, Armênia, Espanha, França, Inglaterra,
Romênia, Ucrânia, República Tcheca e EUA. Merece
destaque o clavicímbalo, estreado neste programa, que foi
inteiramente construído no Brasil a partir de projeto elaborado
pelo diretor do conjunto. Com relação à
formação específica dos integrantes, embora a
maioria seja graduada e pós-graduada em música, com
alguns especializados em música medieval, o passo seguinte foi
buscar aprofundamentos através de viagens regulares de estudo
para Alemanha, Espanha, França, Itália e Marrocos.
Em
consonância com a orientação católica do
Conjunto, foi idealizado o projeto 'Títulos da Virgem Maria", no
intuito de fortalecer a piedade mariana pela realização
de repertórios contendo obras inspiradas nesse tema, direta ou
indiretamente, sem excluir algumas peças de caráter
secular que ajudem a contextualizar os roteiros idealizados. Com essa
finalidade, os concertos receberam o formato de um "recital de culto",
no qual as obras estão conectadas por um itinerário
apresentado ao público de maneira integrada com a música,
expondo as peculiaridades de cada peça, sua origem, contexto
histórico e mensagem espiritual.
Uma das características que mais podem chamar a
atenção dentro de nossa linha de atuação
é a adaptação para o português do Brasil das
letras de algumas obras, em parte ou integralmente. Sem dúvida,
a motivação é essencialmente pastoral em vista de
uma melhor compreensão e interação, sobretudo com
públicos não iniciados na música antiga,
estratégia cuja eficiência já temos comprovado
largamente na prática. Do ponto de vista musicològico,
esse procedimento, por mais incomum que seja, não deveria se
prestar a maiores controvérsias, tendo em vista a prática
do "contrafactum" ser comum na Idade Média, com a
adaptação de letras profanas para melodias originalmente
compostas para textos sacros e vice-versa, sendo a mudança de
idioma muito freqüente. No nosso caso, temos como
preocupação manter a mensagem original das letras, apenas
adaptando-as à língua vernácula do Brasil.
Com o
lançamento desta segunda parte, baseada no título mariano
"Saúde dos Enfermos" (Salus Infirmorum), nos alegramos em poder
dar mais um passo neste projeto, que esperamos continuar com
produções futuras, sempre inspiradas pelos títulos
da Santíssima Virgem Maria, que já no nome do Conjunto
é homenageada e à qual confiamos nossos
propósitos, para maior glória de Deus.
Domingo de Páscoa, 2018
As Ladainhas do Loreto, ou Lauretanas (Litaniae Lauretanae),
também conhecidas como "Ladainhas da Santíssima Virgem
Maria" são uma oração da milenar
tradição cristã caracterizada pela
repetição, em forma salmòdica, das diferentes
invocações e títulos que foram dados à
Mãe de Jesus Cristo ao longo da história. Ela é
uma das cinco Ladainhas autorizadas pela Igreja Católica, junto
às ladainhas dos Santos, do Santo Nome de Jesus, de São
José e do Sagrado Coração de Jesus. Originadas na
poesia medieval, provalmente sob influência do hino bizantino
"Acatisto", também em honra da Santíssima Virgem Maria,
as Ladainhas Lauretanas são a fonte para o tema desta segunda
parte do Projeto "Títulos da Virgem", do Codex Sanctissima:
Maria, Salus Infirmorum — Maria, Saúde dos Enfermos.
Assim como o ministério terreno de Jesus Cristo se caracterizou
pela realização de inúmeros milagres de curas
físicas, também sua Mãe, enquanto intercessora no
mais alto grau junto a seu Filho, foi sempre lembrada como Nossa
Senhora da Saúde e outros epítetos correlates, como Nossa
Senhora da Ajuda, do Alívio, do Amparo, do Bom Parto, da
Cabeça, do Bom Socorro, dos Remédios, etc. Na teologia
bíblica, o ser humano é sempre visto como uma unidade de
corpo e alma, sendo excluída qualquer dualidade de tipo
platônico, em que o corpo seria uma espécie de
invólucro ou "prisão" do espírito. Desse modo, a
saúde física, corporal e mental, são sempre
estimadas como inerentes à felicidade humana natural, embora o
sofrimento possa também coexistir com uma alma unida a Deus pela
fé, que o sobreleva a um plano de co-participação
no mistério da Salvação.
A Mãe do Salvador, na força do seu papel maternal, vela
sobre os fiéis de Cristo. Reconhecida primeiro como medianeira
da salus (saúde, salvação) espiritual, ela
é invocada, por analogia, para aliviar a enfermidade corporal.
Desde o século III são encontradas referências do
recurso à Virgem Santíssima como "defesa de nossa
saúde". Os ícones bizantinos da "Fonte Vivificante"
mostram a Mãe de Deus no interior de um amplo vaso a derramar
uma panaceia salutar. O hino Akhatistos, composto no início do
século VII, a aclama com as palavras: "Regozija-te, Cura do meu
corpo". São João Damasceno (676- 749), em seu
sermão para a Dormição, a faz dizer: "Eis que me
tomei, para os doentes, o remédio que expulsa todos os males".
Pedro Venerável, abade de Cluny (+ 1156), consagrava a Maria,
Saúde dos Enfermos, uma capela junto à enfermaria dos
monges, nos mosteiros de sua Ordem. E São João Paulo II,
numa sua carta de 1984, incentivando a devoção à
Salus Infirmorum, exorta: "A vocês precisamente que são
doentes, pedimos que se tomem fonte de força para a humanidade.
No terrível combate entre as forças do bem e do mal, que
o mundo contemporâneo nos oferece em espetáculo, que o seu
sofrimento unido à Cruz do Cristo seja vitorioso!"
É nessa perspectiva que abrimos o repertório com algums
peças de caráter secular que celebram aspectos da vida
humana natural, isto é, as alegrias, festejos, danças,
amores, e que em si são sempre bons, desde que moderados pela
prudência e subordinados ao bem espiritual. A peça
inicial, intitulada Saltarello, é uma dança instrumental
registrada num manuscrito guardado no Museu Britânico de Londres
e conhecido como Codex Lo. Adicional 29987. Nossa
interpretação inclui uma introdução cantada
em português, criada especialmente para dar o toque inicial de
veneração à Virgem, que retoma ao final da
peça instrumental, com seu caráter de dança
festiva e seu refrão muito marcante. Já as três
peças seguintes, Che Ti Zova Nascondere, Amor Mi Fa Cantar e Per
Tropo Fede constituem um bloco de baladas monofônicas italianas
(ballate) do século XIV, todas contidas no Codex Rossi, um
manuscrito cuja parte principal é conservada na Biblioteca
Apostólica Vaticana, sob o nome de Rossi 215.
Seguindo o roteiro
já indicado pela teologia bíblica, passamos à
constatação da causa teológica remota das
doenças e sofrimentos em geral — e, em última
análise, da própria morte —, identificadas na ruptura e
rejeição do amor de Deus por parte da criatura humana.
Já no livro do Gênesis, após o pecado de
Adão e Eva, Deus adverte que a vida passará entre
sofrimentos, trabalhos, suores e terminará com a "volta ao
pó da terra". O homem pecador, entregue por livre
opção à sua condição natural
corruptível e morredoura, da qual estava isento por um
favorecimento especial que Deus lhe outorgava no Paraíso, agora
se encontra sujeito às adversidades de uma natureza
também ela afetada pelo pecado, entre catástrofes,
mazelas, doenças e privações de toda
espécie. Contudo, desde o princípio a misericórdia
divina, traço fortíssimo da "personalidade" do Deus
bíblico, se oferece ao ser humano desejoso de restabelecer sua
ligação com o Criador. Ao menor sinal de arrependimento e
contrição, Deus oferece seu perdão e, com ele, a
possibilidade da cura e da regeneração, inclusive
corporal. Essa dinâmica complexa, que vai da recusa do amor de
Deus e preferência pela própria autonomia ilimitada
até à reconciliação entre homem pecador e
Deus misericordioso, é apontada metaforicamente pelas
peças Paseábase El Rey Moro, que fala da arrogância
e egoísmo que levaram o último rei de Granada a perder
seu território; Pax In Nomine Domini, uma canção
de Cruzada do trovador Marcabru (século XII) de caráter
suplicante e penitencial, aqui apresentada na forma de um lamento
(planctus), com arranjo instrumental de viela de arco tenor e
saltèrio pinçado, onde o ostinato deste último
representa a cadência pesarosa de um coração
contrito a clamar por "paz, em nome do Senhor"; e ainda Een Frolic
Wesen, de autoria de Hans Buchner (1483- 1538), uma peça que
funciona como metáfora da presença silenciosa da Virgem
Maria — a "feliz criatura" — que atende a oração daquele
que busca a reconciliação com Deus, mesmo enquanto ainda
se encontra nas trevas do pecado. A Virgem Salus Infirmorum é
eficaz em socorrer os aflitos que a ela recorrem, com sua
intercessão inigualável junto ao Senhor Jesus Cristo, seu
Filho.
Pensamento que nos conduz diretamente para a parte central do programa,
onde se destacam três cantigas de Santa Maria do Rei Afonso X, o
Sábio (século XIII), todas ligadas ao tema da cura
corporal e regeneração espiritual. Santa Maria Os
Enfermos Sãa é a peça chave do programa,
explorando na narrativa de um milagre de cura, ocorrido por
intercessão de Santa Maria na cidade de Toledo, todos os
aspectos da simbologia da superação da enfermidade por
obra de uma intervenção divina sobrenatural, mas em vista
de uma "saúde" em perspectiva mais ampla: uma sanidade que
é também santidade. A segunda Cantiga, Gran Piadad'
complementa essa reflexão, narrando outro milagre de cura
física que é associado à "grande piedade" da
Virgem, e se conclui com a reação jubilosa dos enfermos
curados, que "logo se puseram a louvar e narrar" as maravilhas de Deus,
operadas por intercessão da Virgem. E, concluindo o bloco de
Cantigas de Santa Maria, Non É Gran Cousa é uma obra de
caráter jubiloso, sobrelevando o tema da cura das enfermidades
para a radicalidade da ressurreição de um morto, que
não pode senão provocar os mais fervorosos louvores e
ações de graças à mulher íntegra e
piíssima, "Mãe d'Aquele que o mundo inteiro há de
julgar".
Como natural conseqüência dessa experiência da
misericórdia e do perdão de Deus, a terceira parte do
programa Salus Infirmorum é um bloco destinado ao louvor e
à ação de graças pelos dons e
benefícios recebidos pelos fiéis. Uma forma comum na
Idade Média para o agradecimento por graças recebidas era
a peregrinação aos lugares santos, sendo um dos mais
célebres o Santuário de Santiago de Compostela, situado
na Galícia (norte da Espanha), e que guarda em sua biblioteca o
também célebre Codex Calixtinus, contendo obras musicais
registradas do século XII. Uma delas é o hino dos
peregrinos de Compostela, Dum Pater Famílias, que apresentamos
numa versão aproximada ao canto bizantino, fazendo uso inclusive
do ison (uma espécie de bordão típico do canto
bizantino). Em seguida, a necessária alusão às
alegrias pascais com a Ressurreição de Cristo, sua
vitória definitiva sobre a morte, a doença e o mal em
geral, representada por uma peça do Codex Las Huelgas (Espanha,
copiado no início do século XIV), Resurgentis Domini, num
arranjo em que apenas os "aleluias" são cantados, ficando o
corpo da peça a cargo de um coro de flautas doces medievais.
Concluindo o programa, Benedicamus Domino, é um convite a
"bendizer o Senhor", como se canta normalmente no final das
celebrações litúrgicas, uma obra anônima de
escola italiana do final do século XIV, guardada no manuscrito
Canon. 229 da Biblioteca Bodleiana de Oxford. Com um arranjo onde
participam diversos instrumentos e também o coro de vozes,
havendo ainda um breve último momento de canto gregoriano (o
mesmo que é cantado como tenor ao longo de toda a peça),
finalizamos o programa Salus Infirmorum com uma obra luminosa,
representativa das qualidades inerentes da beleza segundo Santo
Tomás de Aquino: integritas, consonantia et claritas
(integridade, consonância e claridade).
Codex Sanctissima and the Project "Titles of The Virgin Mary"
The Ensemble Codex Sanctissima was founded in November 2011 with the
purpose of spreading the Medieval and Renaissance music to the most
varied audiences, with repertoires primarily selected among the most
venerable sources of Christian sacred music, from the liturgical
traditions of pre-Gregorian chant dating back to the sixth century,
through the earliest forms of polyphony recorded in manuscripts of the
ninth and tenth centuries, the works of the School of Notre-Dame and
its correlates, the works of the troubadours and trouvères, the
periods known as Ars Antiqua and Ars Nova, until the Renaissance of the
fifteenth and sixteenth centuries. In this project we aim to also
include some Oriental music, as is the case of an Armenian prayer in
this first album.
Our first challenge has been satisfactorily accomplished: to acquire
instruments built with historical fundamentation by luthiers of proven
competence. The Instrumentarium of the group is assembled with copies
based on iconography and organological studies from Germany, Spain,
France, Armenia, England, Romania, Ukraine, Czech Republic and USA.
Although most members have graduate and post-graduate degree in music,
with some of them specializing in medieval music, the next step was to
seek training specific for the task, with study trips to Spain,
Germany, France, Italy and Morocco.
In line with the Catholic guidance of the Ensemble, we have conceived
the project "Titles of the Virgin Mary" aiming to strengthen the Marian
devotion by performing repertoires containing works inspired in this
topic, directly or indirectly, without excluding some pieces of secular
character to help contextualizing the programs. To this end, the
concerts were given the shape of a "recital of worship " in which the
works are connected by an itinerary presented to the public and
integrated with the music, giving the characteristics of each piece,
its origin, historical context and spiritual message.
One of the features that can draw more attention within our line of
work is the adaptation to Brazilian Portuguese of the lyrics of some
works, in part or in full. Undoubtedly, the motivation is primarily
pastoral for better understanding and interaction, mainly with the
public which is uninitiated in early music, strategy whose efficiency
has been widely proven in practice. From the musicological point of
view, although this procedure is unusual it should not arouse
controversies if we consider the practice of contrafactum particularly
common in the Middle Ages, which means the change of lyrics for a same
given melody, including the adaptation of profane lyrics to melodies
originally composed for sacred texts and vice versa, the change of
language being very common on the process. In our case, we take care to
keep the original message of the lyrics, just adapting them to the
vernacular language of Brazil.
With the release of this part two based
on the Marian title "Health Of The Sick" (Salus Infirmorum) we rejoice
to give another step in this project, which we hope will continue with
future productions, always inspired by the titles of the Most Blessed
Virgin Mary, already honored in the name of the Ensemble and to whom we
entrust our purposes, for the greater glory of God.
Easter Sunday, 2018
The litanies of the Loreto, or Lauretanas (Litaniæ Lauretanæ), also
known as "Litanies of the Blessed Virgin Mary" are a prayer of the
millennial Christian tradition characterized by the repetition, in
psalmody form, of the different invocations and titles that were given
to the Mother of Jesus Christ throughout history. It is one of the five
litanies authorized by the Catholic Church, along with the litanies of
the Saints, of the Holy Name of Jesus, of St. Joseph and of the Sacred
Heart of Jesus. Originated in medieval poetry, probably under the
influence of the Byzantine hymn "Acatisto", also in honor of the
Blessed Virgin Mary, the Lauretanas Litanies are the source for the
theme of this second part of the Project "Titles of the Virgin", Codex
Sanctissima: Maria, Salus Infirmorum — Mary, Health of the Sick.
Just
as the earthly ministry of Jesus Christ was characterized by the
accomplishment of innumerable miracles of physical healings, so too was
his Mother, intercessor in the highest degree with her Son, always
remembered as Our Lady of Health and other related epithets such as Our
Lady of Help, of Relief, of Support, of Good Childbirth, of The Head,
of Good Hope, of Remedies, etc. In biblical theology, the human being
is always seen as a unity of body and soul, excluding any duality of
platonic type, in which the body would be a kind of envelope or
"prison" of the spirit. In this way, physical, bodily and mental health
are always esteemed as inherent in natural human happiness, although
suffering may also coexist with a soul united to God by faith, which
surpasses it to a plan of co-participation in the mystery of Salvation.
The Mother of the Savior, in the strength of her maternal role, watches
over the faithful of Christ. Recognized first as mediatrix of spiritual
salus (health, salvation), she is invoked, by analogy, to alleviate
bodily infirmity. Since the 3 century references to the Holy Virgin
have been found as "defense of our health". The Byzantine icons of the
"Life-giving Source" show the Mother of God inside a large vessel
pouring out a salutary panacea. The Akhatistos hymn, composed at the
beginning of the 7th century, acclaims her with the words: "Rejoice,
Healing of my body". St. John Damascene (676-749), in his sermon for
the Dormition, makes her say: "Behold, I have become to the sick the
medicine which casteth out every evil. " Peter Venerable, abbot of
Cluny (+ 1156), consecrated to Mary, Health of the Sick, a chapel next
to the infirmary of the monks, in the monasteries of his Order. And St.
John Paul II, in one of his letters of 1984, encouraging devotion to
the Salus Infirmorum, exhorts: "To you who are sick, we ask that you
become a source of strength for humanity. In the terrible struggle
between the forces of good and evil, which the contemporary world
offers us in spectacle, may your suffering united to the Cross of
Christ be victorious!"
It is from this perspective that we open the repertoire with some
pieces of secular character that celebrate aspects of natural human
life, that is, joys, celebrations, dances, loves, which in themselves
are always good, provided that moderated by prudence and subordinated
to the spiritual good. The opening piece, entitled Saltarello, is an
instrumental dance recorded in a manuscript housed in the British
Museum in London and known as Codex Lo. Add 29987. Our interpretation
includes an introduction sung in Portuguese, especially created to give
the initial touch of veneration to the Virgin, which returns to the end
of the instrumental piece, with its festive dance character and its
very striking refrain. The following three pieces, Che Ti Zova
Nascondere, Amor Mi Fa Cantar and Per Tropo Fede constitute a block of
fourteenth-century Italian monophonic ballads (ballate), all contained
in the Codex Rossi, a manuscript whose main part is preserved in the
Vatican Apostolic Library under the name of Rossi 215.
Following the script already indicated by biblical theology, we come to
the remote theological cause of illness and suffering in general - and,
ultimately, of death itself- identified in the rupture and rejection of
the love of God by the human creature. Already in the book of Genesis,
after the sin of Adam and Eve, God warns that life will pass with
sufferings, labors, sweat, and will end with the "return to the dust of
the earth. " Sinful man, freely given over to his corruptible and dying
natural condition, from which he was exempted by a special favor which
God bestowed on him in Paradise, is now subject to the adversities of a
nature also affected by sin, such as catastrophes, maladies, diseases
and deprivations of all kinds. However, from the outset divine mercy, a
very strong trait of the "personality" of the biblical God, offers
itself to the human being desirous of reestablishing his connection
with the Creator. At the slightest sign of repentance and contrition,
God offers his forgiveness and, with it, the possibility of healing and
regeneration, even bodily, this complex dynamics, which passes from the
refusal of God's love and preference for his own unlimited autonomy to
the reconciliation between sinful man and merciful God, is
metaphorically pointed out by the pieces Paseábase El Rey Moro,
which speaks of the arrogance and selfishness that led the last king of
Granada to lose its territory; Pax In Nomine Domini, a crusade song by
minstrel Marcabru (12th century) of pleading and penitential character,
here presented in the form of a lament (planctus), with an instrumental
arrangement of a tenor medieval fiddle and plucked psaltery, where the
ostinato of the latter represents the sorry cadence of a contrite heart
crying out for "peace in the name of the Lord"; and Een Frolic Wesen by
Hans Buchner (1483-1538), apiece that acts as a metaphor for the silent
presence of the Virgin Mary - the "happy creature" - who heeds the
prayer of the one who seeks reconciliation with God, even while still
in the darkness of sin. The Virgin Salus Infirmorum is effective in
helping the afflicted ones who turn to her, with her unequaled
intercession with the Lord Jesus Christ, her Son.
A thought that leads us directly to the central part of the program,
where three cantigas de Santa Maria of King Afonso X, the Sage (13th
century) stand out, all linked to the theme of body healing and
spiritual regeneration. Santa Maria Os Enfermos Sãa is the key
piece of the program, exploring the narrative of a healing miracle,
which took place through the intercession of Saint Mary in the city of
Toledo, all aspects of the symbolism of overcoming disease through a
supernatural divine intervention, but in view of a "health" in a
broader perspective: a sanity that is also holiness. The second Song,
Gran Pïadad' complements this reflection, narrating another miracle of
physical healing that is associated with the "great piety" of the
Virgin, and concludes with the joyful reaction of the healed, who "soon
began to praise and narrate" the wonders ofGod,r wrought by the
intercession of the Virgin. And, closing the group of Cantigas de Santa
Maria, Non É Gran Cousa is a work of a jubilant character, raising the
theme of healing of infirmities to the radicalism of the resurrection
of a dead man, which can only provoke the most fervent praises and
thanksgiving to the most pure and merciful woman, "Mother of Whom the
whole world shall judge."
As a natural consequence of this experience of God's mercy and
forgiveness, the third part of the Salus mfirmorum program is a group
aimed at the praise and thanksgiving for the gifts and benefits
received by the faithful. A common form in the Middle Ages for thanking
granted gifts was the pilgrimage to the holy places, one of the most
celebrated being the Sanctuary of Santiago de Compostela, located in
Galicia (northern Spain), and which holds in its library the also
celebrated Codex Calixtinus, containing recorded 12th century musical
works. One of them is the hymn of the Pilgrims of Compostela, Dum Pater
Famílias, which we present in an version approximate to the
Byzantine chant, also making use of the ison (a kind of typical chorus
in the Byzantine chant). Next, the necessary allusion to the Easter
joys with the Resurrection of Christ, his definitive victory over
death, sickness and evil in general, represented by apiece of Codex Las
Huelgas (Spain, copied at the beginning of the fourteenth century),
Resurgentis Domini, in an arrangement in which only the "hallelujahs "
are sung, leaving the main body of the work to a choir of medieval
recorders. Closing the program, Benedicamus Domino, is an invitation to
"praise the Lord", as is usually sung at the end of the liturgical
celebrations, an anonymous work of Italian school from the late 14th
century and kept in the manuscript Canon. 229 of the Oxford Bodleian
Library. With an arrangement where several instruments and also the
choir of voices participate, with a brief last moment of Gregorian
chanting (the same one that is sung as tenor throughout the whole
piece), we finish the Salus Infirmorum program with a luminous,
representative work of the inherent qualities of beauty according to
St. Thomas Aquinas: integritas, consonantia et claritas (integrity,
consonance and clarity).